Promotor
Fundação Centro Cultural de Belém
Sinopse
Quando Marco Martins ponderava trabalhar a partir de Um Inimigo do Povo, de Ibsen, como um desenvolvimento lógico do seu interesse pelo conflito entre o indivíduo e o coletivo — um tema central na sua criação —, a 19 de dezembro de 2024, a Polícia de Segurança Pública (PSP) realizou uma operação especial de prevenção criminal na Rua do Benformoso, em Lisboa. Esta artéria é habitada e frequentada, maioritariamente, por imigrantes do subcontinente asiático, em particular do Bangladesh.
A rua foi encerrada e cerca de 60 pessoas foram forçadas a encostar-se à parede, com as mãos sobre a cabeça, durante cerca de duas horas. Os seus corpos foram obrigados a manter uma posição fisicamente extenuante e, simultaneamente, a esconder os rostos.
As imagens, captadas por outros imigrantes a partir das varandas dos prédios, tornaram-se virais e espoletaram um debate sobre a legitimidade da operação e os meios utilizados — em especial, a necessidade de expor cidadãos sem registo criminal e que não representavam um risco para a segurança pública a tal humilhação. As mesmas imagens foram, massivamente, partilhadas como pano de fundo para discursos públicos que excluíam os seus protagonistas.
Ao longo de muito tempo, na Europa, a iconografia associada à imigração foi construída de forma idealizada, distorcendo a cultura política e produzindo mecanismos de enquadramento que controlam e limitam a interpretação de novos acontecimentos.
A retórica nacionalista e xenófoba já não está confinada às franjas do espectro político da União Europeia. Hoje, o sentimento anti-imigração ocupa um lugar central no debate público, após anos de populismo de extrema-direita a amplificar ansiedades culturais e a acusar os governos de terem perdido o controlo das fronteiras soberanas.
No «super ano eleitoral» de 2024, uma preocupação comum por toda a Europa foi a crescente popularidade e sucesso eleitoral dos movimentos e narrativas da extrema-direita.
Altamente dependente da imigração, a economia europeia viu uma eleição após outra confirmar a centralidade da migração e da segurança fronteiriça nas discussões públicas. Os partidos tradicionais foram forçados a adotar posições mais restritivas, numa tentativa de acalmar o medo e a ansiedade alimentados por uma retórica xenófoba e populista. Uma análise dos números revela, de facto, uma situação desafiante, com a União Europeia a enfrentar o maior número de pedidos de imigração desde 2016 — uma pressão significativa sobre os sistemas de processamento, alojamento, serviços e, por consequência, integração.
Este emaranhado de políticas pouco fez para travar o número crescente de pessoas deslocadas no mundo que se dirigem à Europa em busca de segurança e estabilidade económica. Esta incoerência política, aliada a fluxos irregulares flutuantes, tem sido explorada por partidos populistas que propagam a ideia de que os governos perderam o controlo da soberania e já não conseguem proteger as suas populações.
O medo da imigração é, talvez, um dos conceitos mais utilizados — e menos discutidos — no atual cenário cultural ideologicamente carregado da Europa. É utilizado tanto pela Esquerda como pela Direita, por jornalistas e cientistas sociais, como uma espécie de arma de arremesso para rotular ações, pessoas ou até obras artísticas que não se enquadram no entendimento dominante. É uma tática conveniente para exercer poder sobre aquilo que nos é desconhecido e nos causa desconforto.
Trabalhando de perto com essa comunidade e tendo como ponto de partida a imagem daqueles corpos indefesos privados de dignidade, Marco Martins propõe uma reflexão sobre a forma como os media e os partidos políticos de várias esferas manipulam a imagem destas pessoas sem jamais lhes dar verdadeiramente voz.
Como tem sido prática recorrente na extensa carreira de Marco Martins no trabalho teatral com comunidades específicas, o espetáculo — fruto de um convite da Braga 25 Capital Portuguesa da Cultura, com a coprodução e cumplicidade Centro Cultural de Belém, do Teatro Municipal do Porto e do Théâtre de Liège — terá como base as biografias das pessoas que foram encostadas à parede e partirá da experiência física dessa situação.
Está já em curso uma investigação conduzida pelas jornalistas Joana Pereira Bastos e Raquel Moleiro, com o apoio de Rana Uddin, líder da comunidade bengali, para identificar e contactar as pessoas visadas pela operação — que constituirão, em simultâneo, o elenco central desta criação.
Informações Adicionais
Acessibilidade: Espetáculo com interpretação em Língua Gestual Portuguesa no dia 15 de março
Preços
- Sector 1 Plateia - 20€
- Sector 2 Plateia - 16€
- Sector 3 Plateia - 14€
- Sector 4 Plateia - 12€
- Camarotes Centrais - 16€
- Cad.Rodas e Acomp. Setor2 - 12€
- Cad.Rodas e Acomp. Setor4 - 12€
Descontos
- Cartão CCB
- Desempregados
- Estudantes
- Grupos + 20PAX
- Maiores de 65 anos
- Menores de 30 anos
- NE + Acomp.
- Profissionais espetáculos