Promotor
Câmara Municipal de Évora
Sinopse
FESTIVAL CRIASONS III
PROGRAMA TIAGO DERRIÇA
JOÃO FONSECA E COSTA (compositor emergente)
AOS OMBROS DE GIGANTES
Nota de programa
O presente programa assume-se como uma celebração do repertório camerístico para cordas e piano, materializando-se através de uma notável variedade de configurações instrumentais, em particular aquelas que serão certamente as mais célebres e emblemáticas, como é o caso do quarteto de cordas, do trio, do dueto e do quinteto com piano. Procuro, desta forma, tirar proveito da grande variedade tímbrica que estes agrupamentos permitem, sendo esse o fio condutor deste concerto. Por outro lado, tal variedade reflecte-se também pela diversidade estilística das próprias peças aqui apresentadas, que abrangem não só diversos períodos da História da Música, como também duas perspectivas estéticas diferentes perante esse legado canónico. Neste sentido, seleccionei duas obras de compositores pelos quais sou influenciado e possuo grande admiração, Joseph Haydn e Maurice Ravel sou um anão aos ombros destes e de outros tantos gigantes que residem na minha memória afectiva musical , pedindo ao meu colega compositor João Costa que também fizesse o mesmo, tendo ele optado por incluir a música do mestre Gabriel Fauré.
Ouviremos um dos últimos trios de Haydn (o prolífico compositor escreveu 45 no total), que demonstra bem a capacidade expressiva deste género camerístico. Apesar do contexto palaciano em que surge, a música de câmara de Haydn vai muito além da função de entretenimento que tinha para a corte Esterházy, sendo profunda e meticulosamente trabalhada, fruto de uma imaginação e inventividade absolutamente admiráveis. De seguida, surge o quarto e último andamento da minha sonata Frühling, para violino e piano, um rondó onde é muito clara a influência da música do século XVIII, uma das gramáticas estruturais na minha própria linguagem. Logo depois, ouvir-se-á o terceiro de sete andamentos do meu quarteto de cordas Seven Ages of Man, baseado no monólogo homónimo de Shakespeare, retratando o amor como sendo uma das sete fases da vida do homem. A forma como encaro a escrita para quarteto de cordas deve muito, sem dúvida, à sensação de assombro que tive ao ouvir pela primeira vez o quarteto de Ravel e que, ao longo dos anos, se vem manifestado pela maneira como meço e idealizo as capacidades expressivas deste efectivo instrumental. A próxima peça a fazer-se ouvir será Elegia, de Fauré, um dueto para violoncelo e piano que, apesar de não muito longo, se desenha em torno de uma infinita dimensão emocional e poética, sendo um excelente exemplar do romantismo tardio. Esta peça antecede a obra para quinteto de cordas com piano de João Costa, cujo teor e até o próprio título desconheço no momento em que escrevo este texto, mas pela qual tenho uma grande expectativa. Finalmente, o concerto é encerrado com o já mencionado Quarteto de cordas em Fá maior, de Maurice Ravel, obra prima, perfeita e de uma beleza fulgurante, só possível graças à miraculosa sensibilidade artística deste genial compositor.
Termina assim esta viagem estonteante feita neste veículo sonoro que, em vez de cavalos, tem como força motora as cordas e o piano, instrumentos que, nas suas diversas geometrias, têm marcado indubitavelmente o repertório de câmara. Estes são ferramentas inestimáveis não só nas mãos de Haydn, Fauré e Ravel, mas também nas de muitos outros compositores que muito admiro e frequentemente procuro. Ora estes tantos outros, por razões óbvias, não puderam tomar parte neste concerto, porém decerto ecoaram de algum modo na minha voz composicional, pois são eles os gigantes que me levam aos ombros.